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Arquétipos: desfazendo as confusões

Toda vez que aparece uma nova técnica em terapias holísticas ou complementares, ela rapidamente se dissemina, se populariza e também sofre distorções.

A bola da vez são os arquétipos. A partir de livros de divulgação, como Marketing e Arquétipos, de Helio Couto, ou O Herói e o Fora da Lei de Margaret Mark e Carol S. Pearson, o conceito ganhou popularidade.

Há vários grupos no Facebook e no Whatzapp onde seus usuários trocam informações e “arquétipos”, com receitas para escolher a imagem adequada ou “ativá-los”.

Embora uma haja uma quantidade significativa de informações úteis, a grande maioria parece troca de remédios para automedicação, baseados em “achismos” e conceitos mal assimilados.

Colocando as coisas em seu lugar

A palavra arquétipo significa modelo primitivo e foi usada por Platão para indicar as formas perfeitas que faziam parte do Mundo das Ideias, do qual o nosso mundo era uma cópia imperfeita. Por este modelo de conhecimento, grosso modo, as mesas do mundo real seriam uma cópia da mesa perfeita existente no Mundo das Ideias. Isso valia para tudo, em especial conceitos abstratos, como o Amor, a Beleza, o Bem.

Platão

Uma forma platônica de ver os arquétipos é encará-los como uma entidade, como se existisse o arquétipo do empresário, do amante, do jogador de futebol perfeitos, por exemplo. E, se você “incorporar” este arquétipo e deixá-lo agir, você vai obter o melhor resultado possível.

Entretanto Aristóteles deu outra visão: as construções abstratas são frutos da observação das coisas concretas. Por exemplo, ao observar várias mesas, formamos o conceito de “mesa”. Então ao observar uma mesa que nunca vimos antes, se ela contiver a maioria das características do modelo de mesa que criamos (abstraímos) poderemos dizer que é uma mesa. Isso vale também para conceitos abstratos. A partir da observação de relacionamentos afetivos, criamos o conceito de amor.

Dentro deste ponto de vista, os arquétipos não seriam preexistentes, mas construído a partir de experiências e transmitido através da cultura.

Aristóteles

Jung

No início do século XX, Jung retomou a questão do ponto de vista psicanalítico. Freud já havia criado o termo complexo, dos quais o mais famoso é o Complexo de Édipo. Tanto Jung quanto Freud eram profundos conhecedores de mitologia de vários povos, em especial da grega.

Jung ao observar o delírio de pacientes esquizofrênicos, percebeu que eram similares a alguns mitos de culturas das quais o paciente nunca tinha contato. Observou também que culturas sem contato anterior desenvolviam mitos similares, por exemplo Thor, da mitologia dos povos nórdicos é similar a Zeus e a Xangô em alguns aspectos. Os três têm o poder de jogar raios e administram a justiça.

Jung

De acordo com estas observações, Jung propôs um modelo da psiquê assim:

Na superfície temos o Ego, que atua no mundo exterior e que corresponde ao consciente e à nossa identidade como a vemos.

Um pouco abaixo, no subconsciente e no inconsciente pessoal existem os complexos que são comportamentos organizados, autônomos que regem alguns de nossos comportamentos. Às vezes são responsáveis atitudes que fazemos sem perceber ou sem entender a causa. Um deles é o próprio Ego. Os mais conhecidos são o Complexo de Édipo e o de Electra que correspondem à atração sexual do menino pela sua mãe e da menina pelo pai (normalmente de forma inconsciente).

Abaixo dos complexos estão os arquétipos. Os complexos são formados pela interação de um ou mais arquétipos. Jung em sua obra menciona alguns principais arquétipos:

Persona: que corresponde a imagem que mostramos à sociedade. Às vezes se confunde com nosso papel social. Por exemplo, o policial, o professor, o juiz, etc.. Outra são como desejamos ser vistos pelos outros. Em casa somos de um jeito e executamos um papel quando estamos fora de casa. Por exemplo, gostamos de andar de chinelo e camiseta regata, mas em público vestimos terno e gravata e numa roda de conversa até fazemos piada a respeito de quem anda de chinelo.

Persona

Ânimus e Ânima: correspondem ao comportamento masculino e feminino, respectivamente. É o Yin e o Yang. Todos, homens e mulheres, tem os dois. Popularmente, são conhecidos como o lado feminino do homem (Ânima) e masculino da mulher (Ânimus). Não tem relação direta com a identidade de gênero ou orientação sexual.

Ânimus/Ânima

Grande Mãe: corresponde à noção de maternidade, tendo como representante primeiro a nossa própria mãe, mas indo além dela. Por exemplo em algumas mitologias a Terra seria também uma Grande Mãe. Pode ser também uma figura feminina religiosa como Maria, na religião católica.

Grande Mãe e Criança Divina

Grande Pai: a figura de poder e autoridade, que estabelece regras mas também provê e protege. Nosso primeiro contato seria com o nosso pai. Em religiões patriarcais seria o deus principal, ou o Deus único nas religiões abrahamicas (judaísmo, cristianismo e islamismo).

Zeus, representando o Grande Pai

Criança Divina: está associado à pureza de uma criança, com sua face inocente e ingênua e sua capacidade de viver o momento presente. No cristianismo isto é vivenciado pelo menino Jesus. Também está associada à nossa criança interior.

O Herói: representa om herói que vence todos os obstáculos para atingir seu objetivo e se modificando no processo. A narrativa heroica está tão presente em todas as culturas que este mito foi chamado de “mono mito”. São todas as histórias de aventura, desde os heróis gregos até as sagas cinematográficas como Star Wars.

O herói Luke Skywalker luta com a Sombra de seu pai (Darth Vader significa Pai Negro) – imagem de divulgação

O Velho Sábio: representa alguém com grande sabedoria e que aconselha os heróis em suas sagas. Merlin, Gandalf, Obi wan Kenobi são exemplos.

O Eremita do Tarot representando O Velho Sábio

Sombra: é a parte do nosso eu que não queremos ver e mantemos oculta do inconsciente. Por exemplo: um homem pacífico sente vontade de agredir seu vizinho barulhento. Mas como ele não aceita esta sua vontade, a esconde de si mesmo. Pode acontecer num determinado momento, por uma coisa sem importância, que este homem acabe dando um soco na cara de seu vizinho (A Sombra se manifestando). Como Sombra podemos encontrar todos os vilões da ficção. Um destaque especial é para Darth Vader, a Sombra de Anakin Skywalker que acaba por dominá-lo.

Onde há luz, há Sombra

Self ou Si-mesmo: Este seria o arquétipo principal. Seria nosso verdadeiro Eu, em oposição ao Ego e à Persona. Jung vai concentrar sua teoria no processo de individuação que seria uma forma de se aproximar de nosso Self. O Self corresponde ao Eu Superior ou ao Eu Maior de algumas tradições místicas.

O Inconsciente Coletivo seria o substrato psíquico onde todos os seres humanos estão mergulhados. Neste substrato residem os arquétipos, que seriam infinitos. Isto é compartilhado por toda a humanidade, o que torna possível que diversas culturas tenham os mesmos mitos e que surjam em manifestações do inconsciente como sonhos ou delírios, mesmo em pessoas que desconhecem estes mitos.

Este vídeo dá uma boa explicação sobre os conceitos que estamos discutindo. Canal Alimente o Cérebro.

Esta visão de Jung volta a se aproximar de Platão, entretanto com uma diferença principal. Platão vê o Mundo das Ideias com externo ao ser humano, onde todas as formas seriam preexistentes. Ele existiria desde sempre e continuaria existindo eternamente mesmo se não houvessem seres humanos.

Lendo Jung, percebemos que o fenômeno do inconsciente coletivo é intrinsecamente humano e os arquétipos deixarão de existir quando o último ser humano desaparecer.

Platão coloca os arquétipos no Céu. Jung no interior mais profundo dos seres humanos.

Neurociências e arquétipos

Há um ramo do marketing chamado neuromarketing que aplica alguns conceitos dos arquétipos em suas técnicas. Basicamente, segundo seus teóricos, alguns neurotransmissores podem ser estimulados mediante a exposição de sons, imagens e cores, o que pode induzir as pessoas a comprarem determinado produto.

De certa forma isso já vem sendo feito há séculos, de forma intuitiva ou baseados em observações de natureza psicológica. Um dos pioneiros da técnica foi Edward Bernays, sobrinho de Freud, que usou as técnicas do tio para uma indústria de fumo a quebrar o paradigma de que cigarros eram só para homens.

Edward Bernays

A neurociência nos diz que determinados estados mentais são produzidos por determinados neurotransmissores. Se podem nos fazer comprar podem nos auxiliar a mudar estados mentais qu e não queremos.

Aqui é que entra a popularização dos arquétipos como a aspirina do desenvolvimento humano.

Como as pessoas estão usando arquétipos

Acompanhando os grupos vi que as pessoas entendem os arquétipos com vários vieses.

A maioria busca a resolução de um problema específico e que algo que o resolva definitivamente. Destes, tem dois grupos: os desencantados e os apressadinhos. Os desencantados já tentaram muitas coisas sem resultado e os apressadinhos querem o resultado imediato.

Outros estão procurando a resolução de seus problemas mas de uma forma mais consciente. Sabem que o resultado não é imediato, mas querem aprender a usar e pôr em prática estes conceitos.

Há os que buscam algo para ajudar no seu caminho evolutivo.

Há os proselitistas, de vários credos e inclusive do que o arquétipo é o único caminho. Por fim, os descrentes, que estão nos grupos apenas para irritar os participantes.

Todos podem se beneficiar do próximo tópico.

Esclarecendo alguns pontos

Meu ponto de vista é junguiano, mas não descarto outras abordagens.

A partir disso, convém separar o que é arquétipo do que é imagem arquetípica.

Um arquétipo, por qualquer ponto de vista, é uma abstração de uma força psicológica e não teria uma imagem. O que existe é uma imagem arquetípica que o ilustraria. Por exemplo, algo bastante popular nos grupos é o “arquétipo” da Cleópatra. A Cleópatra foi um personagem histórico, onde há muitos fatos associados à sua pessoa. Ela também é uma lenda, ou seja, tem uma tradição oral vasta de vários episódios atribuídos a ela que podem ou não ser verdade. Também é um personagem de vários filmes hollywoodianos que ajudaram a formar o imaginário popular. As pessoas normalmente associam Cleópatra a uma mulher empoderada, senhora de si e sedutora. Por outro lado a quem a veja como promíscua.

Há várias camadas que podemos ler, como uma cebola. A primeira camada é esta imagem cheia de pormenores construídos ao longo do tempo, que é o que pessoal normalmente atribui a ela quando a veem como arquétipo: poder, sedução, feminilidade. Como negativo, ou “lado sombra” a sua promiscuidade.

Segundo camada é o personagem histórico, cujos dados foram obtidos após muito estudo e pesquisa em documentos e monumentos. Ela foi importante e tem detalhes de sua vida que aos olhos de hoje parecem “imorais”.

O terceiro é o arquétipo. Existe um arquétipo que poder associado a poder feminino. Ele é a Ânima. Que pode ser representado pro várias imagens arquetípicas: Várias deusas gregas, Nefertiti, Cleópatra, A Imperatriz do Tarot, etc.. Cadas uma destas imagens revela um dos aspectos deste arquétipo.

O quarto é o “lado sombra”. Jung fala de um Arquétipo que é A Sombra. Todos temos a nossa Sombra. Há vários modos de lidar com ela: negando, projetando (eu sou bonzinho, os outros é que são maus), confrontando (em geral, lutando com nossa força de vontade) e integrando (que o que recomenta Jung). A Saga Star Wars finaliza com a integração da Sombra de Anakin Skywalker (Darth Vader), com sua redenção.

Jung diz também que os arquétipos não são bons nem maus. São apenas forças psíquicas, que podem ser comparadas à eletricidade: pode iluminar sua casa ou dar energia para a cadeira elétrica.

O que acontece é que algum ponto desta imagem arquetípica pode entrar em sintonia com um aspecto de nossa Sombra. Por exemplo, a moça que toma Cleópatra como modelo, pode ter sua sexualidade exacerbada, pois a vida inteira a reprimiu.

O quinto são os neurotransmissores. Este talvez seja o mais importante a observar. Estudos relativamente recentes mostram que determinas imagens geram neurotransmissores que induzem a determinados estados mentais.

O que deveríamos pesquisar é que imagem provoca a emissão de qual neurotransmissor. O que acaba acontecendo é um chute, ou ensaio e erro, já que a maioria não sabe o que realmente precisa!

Conclusão

Meu objetivo neste artigo foi colocar um pouco de luz na balburdia que vem sendo dita a respeito do assunto, como já aconteceu com as terapias quânticas e com a PNL. Como nestes casos, corremos o risco de jogar fora a água da banheira com o bebê junto. Ou seja, ao rejeitarmos as bobagens, rejeitamos também o núcleo sério.

Se você está interessado em arquétipo, faça algumas pesquisas antes de mergulhar neste universo. Sempre recomendo ir direto à fonte: Jung. Mas para muitos de nós sua leitura não é simples. Seus livros foram escritos para seus pares acadêmicos e ele escreve de uma forma muito erudita. Normalmente se preocupa mais com os conceitos do que com a prática.

Assim, podemos ir buscar em seus discípulos informações a este respeito, como livro que eu citei logo no início O Herói e o Fora da Lei de Margaret Mark e Carol S. Pearson, ou os livros de Joseph Campbell, como O Poder do Mito e O Herói de Mil Faces.

No youtube, procure pelo canal Artetipos, que organiza os conceitos de maneira clara e bastante didática.

Se estiver num grupo, dê mais importância às postagens que relatem experiências pessoais e conceituações embasadas.

Espero que este artigo tenha sido útil.

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